NOTAS SOBRE A DESAPROPRIAÇÃO DO COLÉGIO AMERICANO BATISTA DO RECIFE, POR NOELIA BRITO
Imagem ilustrativa (Fonte: Portal de Licenciamento da PCR) |
Por Noelia Brito
Durante a semana que passou, veio
a público a intenção, formalizada por meio de um decreto, do Governo de
Pernambuco desapropriar o imóvel onde funciona o Colégio Americano Batista, entidade
de ensino privada, fundada em 1906.
“A escola começou a funcionar num casebre vizinho à primeira Igreja Batista do Recife, inicialmente com treze alunos. Assim começou o Colégio Americano Batista do Recife”, informa o site da instituição, segundo o qual, “passados treze anos, o então diretor da instituição, o missionário H.H. Muirhead, comprou uma chácara localizada no lugar que hoje conhecemos como Parque Amorim, onde foi instalado o colégio. “Depois da aquisição do terreno, veio a construção de seu primeiro edifício, que levaria o nome do professor Alfredo Freyre, antigo diretor do colégio e advogado que intermediou a compra da propriedade. A idéia original era que o prédio reproduzisse a fachada da Casa Branca, sede da presidência dos Estados Unidos”.
Ainda, segundo o site da entidade, “a instituição foi a primeira a estender a educação ao Jardim da Infância e a ter turmas mistas (formada por meninos e meninas).” O Colégio mantém alunos no Ensino Fundamental I e II e Médio. Até hoje, afirma o site, “o colégio alia a tradição da excelência no ensino com a aplicação de práticas pedagógicas modernas, que reforçam o aprendizado e estimulam os hábitos de leitura e de estudo. O colégio centenário sempre levou para as salas de aula criatividade na construção do conhecimento e caráter do cidadão, sempre evidenciando os princípios bíblicos defendidos desde a fundação”, conclui.
Feito esse pequeno histórico da instituição, passemos a relatar os fatos que teriam levado o governo de Pernambuco a dar início ao processo de desapropriação do imóvel onde se situa o Colégio Americano Batista.
Não é novidade para ninguém que diversas instituições
de ensino privado passaram e passam por dificuldades financeiras, notadamente, após a pandemia. Com o CAB não é diferente. Dentre as dificuldades financeiras enfrentadas pelo Colégio, sabe-se, porque a imprensa há tempos vem divulgando, que pendem contra a entidade, diversas ações trabalhistas, sendo que em uma delas, cujo valor é de R$ 163.136,37, foi feita a penhora do imóvel, com avaliação judicial de R$ 103.659.150,00, muito acima, aliás, da avaliação que o mercado imobiliário faz para a área, algo da ordem de R$ 60 milhões.
Para solucionar as dificuldades financeiras e continuar funcionando e tendo uma área disponível que poderia ser negociada com a iniciativa privada, o CAB colocou essas áreas à venda, sendo negociado com o empresário Rodrigo Diniz, ex-proprietário do Colégio Boa Viagem, a construção de um empreendimento do tipo “Centro de Conveniência e Serviços", em parte do terreno em que hoje funciona o Colégio, com um investimento da ordem de R$ 60 milhões”, isso segundo a Coluna de Fernando Castilho, do JC.
Com essa operação, o Colégio pretendia se capitalizar e utilizar os recursos obtidos com a venda de parte de seu terreno para sanar as dificuldades financeiras e manter suas atividades educacionais. Para tanto, o empreendedor protocolou, por intermédio do escritório de arquitetura Gama Serviços de Arquitetura e Urbanismo Ltda, junto ao Conselho de Desenvolvimento Urbano, da Prefeitura do Recife, o Processo nº 80123010.20, referente ao “Projeto para legalização e reforma com acréscimo de área, destinado ao uso misto (atividades: serviços de educação, salas comerciais/lojas) no imóvel nº 1308 da Rua Dom Bosco, no bairro da Boa Vista. Trata-se do imóvel do Colégio Americano Batista”.
A Secretaria Executiva de
Licenciamento e Controle Ambiental / SEMOC aprovou o projeto através da Licença
Prévia de nº 8097578919, que estabelece as exigências e os condicionantes a
serem observados pelo empreendedor. O Conselho de Desenvolvimento Urbano - CDU,
na sua 261ª Reunião Ordinária, realizada online, via Google Meet, no dia 1 de
setembro de 2020, aprovou, por unanimidade, o parecer da conselheira relatora, a
arquiteta Dra. Neide Maria Pinho Cirne, representante do Sindicato dos
Arquitetos no Estado de Pernambuco – SAEPE. No dia
Adveio, então, passados pouco mais de dois anos, da aprovação do empreendimento, a marcação de uma hasta pública (leilão), pela Justiça do Trabalho, no processo nº 0001053-50.2019.5.06.0004, para quitação do débito trabalhista do Colégio, leilão este que foi sustado no dia 30 de janeiro de 2023, pela Juíza da 4ª Vara do Trabalho do Recife, no mesmo ato em que determinou a anulação da penhora sobre o imóvel, em razão da nulidade da citação da Missão Batista do Brasil, que figura como proprietária do imóvel, no Registro Geral de Imóveis e que é apontada, pela reclamante, como integrante do mesmo “grupo econômico” do Colégio Americano Batista.
No dia 2 de fevereiro veio a
público, pelo Jornal do Commercio, que a governadora Raquel Lyra teria decidido
desapropriar o imóvel porque este iria a leilão e porque no local se
construiria um shopping. No mesmo dia, foi gerado o processo nº 3700000987.000608/2023-38,
no SEI do Governo de Pernambuco, ao qual foram anexados documentos referentes
ao imóvel, entre eles um Extrato de Débitos, com a Prefeitura do Recife, no
valor de R$ 2.880.899,20, oriundos de taxas, já que o imóvel é imune ao
pagamento de IPTU. Ali foi anexado o Edital do Leilão que já fora, inclusive, sustado.
O valor da avaliação feita pela
Justiça do Trabalho, para o imóvel, chamou atenção, é claro.
Mas foi somente após o Blog da
Noelia Brito, por meio de e-mail encaminhado à assessoria de comunicação da governadora,
formular alguns questionamentos, dentre estes, qual seria o equipamento público
a ser implantado, qual o valor da avaliação oficial da indenização, se houve
estudo prévio sobre a necessidade, viabilidade e custo total do equipamento a
ser construído que justificassem a desapropriação do imóvel, é que o Governo de
Pernambuco divulgou nota à imprensa afirmando que “O Governo do Estado de
Pernambuco garantiu a manutenção do imóvel do colégio Americano Batista, na Boa
Vista, Recife, como complexo escolar, agora no âmbito da educação pública
estadual”. Ainda segundo a nota, em vez da mudança de finalidade do prédio para
objetivos comerciais, a decisão do governo mantém a funcionalidade do imóvel”,
entretanto, de acordo com o projeto, conforme se percebe pelo que foi aprovado
pela Prefeitura do Recife, a finalidade educacional seria preservada, já que o
Colégio Americano Batista permaneceria em funcionamento no local, juntamente com
os demais usos que seriam dados à área, estes, sim, comerciais. Vale mencionar
que os imóveis históricos seriam preservados com suas arquiteturas originais.
Isso consta inclusive do projeto que pode ser acessado no Portal deLicenciamento da Prefeitura do Recife.
A forma como levada a efeito a declaração de interesse no imóvel, para fins de desapropriação, leva a crer que a governadora e seu entorno não tinham ciência ou não levaram em consideração certos fatos e consequências. Não se sabe se a governadora foi levada a erro por alguém próximo ou se simplesmente agiu por impulso ao ver o que sua equipe vem chamando de oportunidade de fazer algo que do ponto de vista da opinião pública pareceria grandioso em área que elegeu como bandeira de gestão, senão vejamos.
O Colégio pretendia continuar em funcionamento, conforme visto, no mesmo local e com os recursos da venda de parte de seu terreno, a ideia era sanear as finanças e viabilizar a continuidade desse funcionamento. Com a desapropriação, porém, todo o terreno e benfeitorias, inclusive onde funciona o Colégio, passarão ao Estado. Pergunta-se: a partir do depósito do valor da indenização e da imissão na posse, o governo de Pernambuco pretende despejar o Colégio Americano Batista, que ali funciona há 117 anos? Vai cobrar aluguel até que o expropriado se estabeleça em outro endereço? Vai estadualizar o Colégio Americano Batista? Vai mantê-lo no local, só que estadualizado? Vai implantar outro tipo de equipamento educacional? E como fica a situação dos professores e alunos do colégio que acabaram de iniciar o ano letivo? Professores perderão seus empregos e alunos ficarão sem aula enquanto procuram outro lugar para estudar, sabendo-se das dificuldades para se conseguir vagas após o início do ano letivo? essa não é uma preocupação desprezível.
Na nota, o governo de Pernambuco
afirma que “Para a governadora Raquel Lyra, o impasse em torno do imóvel - que
estava próximo de ser leiloado - apareceu como oportunidade para o governo
estadual na defesa do interesse público. Não ficou muito claro qual o interesse
público que estaria sendo defendido, pois até onde se sabe, os negócios entre o
colégio e o empreendedor eram privados. A ação trabalhista rege também
interesse privado. O imóvel sempre pertenceu a entidades privadas. Se a
preocupação da gestão Raquel Lyra tinha alguma natureza urbanística, isso
também não ficou claro e ainda assim, constitucionalmente, as questões
urbanísticas são da competência do Município e este aprovara o empreendimento.
É assunto, portanto, do prefeito e não da governadora e falo isso sem entrar no
mérito se o empreendimento é bom ou ruim. Estou elucubrando apenas para tentar entender que interesse público estaria sendo afetado, a ponto da governadora ter
que agir apressadamente para defendê-lo.
“Vamos manter o prédio como complexo escolar.
É um patrimônio de Pernambuco que agora estará a serviço da educação pública”,
registrou a nota do Governo Raquel Lyra. A procuradora-geral do Estado, Bianca
Avalone, chegou a declarar que “Como a governadora elenca a educação como
prioridade de governo, ela viu essa oportunidade diante do leilão que estava
marcado e tomou a decisão. O complexo continuará tendo como função social a
educação”.
Conforme visto, porém, quando da
publicação do Decreto, o leilão e a penhora já haviam sido cancelados, de modo
que o argumento de que o imóvel iria a leilão não se mostra plausível para apressar
a publicação do decreto, sem qualquer estudo prévio, pois se a pressa era em
razão do leilão, este não mais ocorrerá. Além disso, ainda que o bem fosse
arrematado ou mesmo vendido, nada impediria que o governo o desapropriasse
posteriormente, quando já estivesse com todos os estudos e levantamentos necessários
para ter a certeza de que, de fato, a aquisição
seria benéfica ao Estado.
Não se duvida das boas intenções da governadora e de seu staff na promoção da aquisição. O que se questiona é o açodamento para desapropriar esse imóvel especificamente, sem se ter feito os estudos prévios necessários que qualquer desapropriação requer.
Pelo que entendo de desapropriação, com a experiência adquirida em alguns anos trabalhando com as desapropriações da Prefeitura do Recife, de onde sou procuradora concursada, o gestor público não pode decidir que vai desapropriar um bem de terceiro só porque olhou e achou que seria bom. Além dos danos ao terceiro, há que se sopesar, principalmente, as consequências para o Erário. Primeiro, surge a necessidade. A partir daí é preciso estudar, analisar, calcular, fazer levantamentos, elaborar projetos e concluir que aquele imóvel atende a uma necessidade prévia. Não se desapropria para depois pensar no que vai fazer. Com a devida vênia, não é assim. Havendo a necessidade específica por um imóvel com tais e tais características, encontra-se o imóvel que melhor atenda a essa necessidade e a esse interesse público. Mas, lamentavelmente, não foi isso que se viu. Primeiro surgiu o imóvel, a “oportunidade”, como se o Estado fosse um investidor, um corretor, que à vista de uma oportunidade vai imobilizando seu capital e depois vê o que faz. Já imaginaram se o Estado resolver desapropriar todo imóvel que estiver em vias de ir a leilão? E se em todo imóvel penhorado o governo vislumbrar uma “oportunidade”, aonde iremos parar?
"Filme de terror: Quem entra no imóvel se depara com excesso de entulhos e lixo espalhado por toda parte", diz a matéria do JC sobre a situação do prédio do DP - FOTO: ALEXANDRE GONDIM/JC IMAGEM |
O Estado de Pernambuco é dono, porque desapropriou, do icônico prédio onde funcionou o Diário de Pernambuco. Pois bem, esse importantíssimo patrimônio do povo pernambucano, onde funcionou o mais antigo jornal em circulação da América Latina, está abandonado, entregue às traças e aos cupins e segundo matéria do Jornal do Comercio, até homicídio ali já foi registrado.
Foto: Leonardo Cisneiros |
O Estado é dono, também, de várias salas no edifício onde já funcionou a Associação da Imprensa Pernambucana e não cuida desse patrimônio do povo pernambucano. Com todo o respeito que a governadora merece, é preciso cuidar primeiro do que realmente é patrimônio público antes de nos preocuparmos com a destinação que particulares darão aos seus bens.
Corre-se, assim, o risco de despender-se verdadeira fortuna com um imóvel e depois se concluir que não é apropriado para aquele fim imaginado, que além do gasto com o imóvel, ter-se-á que gastar outra fortuna com projetos, obras, reformas, manutenção e que com esse recurso se poderia ter reformado ou mesmo construído várias escolas pelo Estado a fora, em localidades que realmente demandam por esse tipo de equipamento. O risco de se criar um elefante branco é sempre iminente quando se faz as coisas sem planejamento.
Imagem: Google Street View |
Emblemático o caso da desapropriação de um prédio de seis andares situado na Rua Montevidéu, onde um dia chegou a funcionar a Rede Globo de Televisão e que foi desapropriado há mais de uma década, pela Prefeitura do Recife, para abrigar a Procuradoria do Município. Desapropriaram, reformaram por uma fortuna e depois concluíram que não servia porque não tinha vagas de estacionamento suficientes. Jamais usaram e criaram um elefante branco que depois de ser empurrado para a Secretaria de Educação, foi despachado para a Câmara do Recife e já há alguns anos ostenta uma placa anunciando que um dia quem sabe, talvez, ali será instalada a Policlínica da Polícia Civil de Pernambuco. Esse elefante branco fica ali bem próximo do imóvel que a governadora vai desapropriar. Foi repassado para o governo de Pernambuco, não sei a que título, mas está lá, imundo e entregue ao vandalismo. Deve valer alguns milhões, mas está lá, acumulando abandono.
* Após a publicação do artigo, nossos leitores nos lembraram que outros imóveis valiosos integrantes do patrimônio de Pernambuco estão em completo abandono. São os casos da antiga Fávrica Tacaruna, que também foi adquirida por desapropriação e da vice-governadoria.
Por fim, mas não menos importante, se há necessidade de se gastar com Educação para se atingir o que a constituição determina, estou certa de que não faltam equipamentos educacionais necessitando de cuidados por todo o Estado. A governadora anunciou a ampliação do ensino integral para mais 61 escolas. Será que com esses recursos esse número não poderia ser ainda maior?
Espero, com o presente artigo, ter conseguido suprir de informações os diletíssimos e fieis leitores deste Blog e que a todo momento têm me procurado pedindo informações sobre esse assunto. O governo, em sua nota, prometeu que o processo será debatido com a sociedade. Espero que este seja apenas o pontapé inicial.
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