MPF denuncia ex-prefeito do Recife, Geraldo Júlio, secretários e empresários por supostos crimes na pandemia

Foto: Reprodução

Segundo o Ministério Público Federal, a contratação considerada fraudulenta de Organização Social para gestão de hospital de campanha, durante a pandemia, pela Prefeitura do Recife, foi acertada "a portas fechadas", em reunião dentro do Palácio do Governo de Pernambuco, entre auxiliares do ex-prefeito Geraldo Julio e empresário. Em depoimento à Polícia Federal, o ex-prefeito negou ter conhecimento da reunião.

O Ministério Público Federal denunciou, no último dia 14 de fevereiro do ano corrente, o ex-prefeito do Recife, Geraldo Julio, Jailson de Barros Correia (ex-Secretário de Saúde), Felipe Soares Bittencourt (ex-Diretor de Administração e Finanças), Mônica Lisboa da Costa Vasconcelos (ex-Gerente-Geral de Regulação), Luciana Lima Pinheiro Caúla Reis (ex-Diretora Executiva de Assuntos Jurídicos), João Guilherme de Godoy Ferraz (ex-Secretário de Governo e Participação Social), Jorge Luís Miranda Vieira ex-Secretário de Planejamento e Gestão), Marconi Muzzio Pires de Paiva Carvalho (ex-Secretário de Administração e Finanças) e os empresários Jairo Luís Flores e Paulo Luiz Alves Magnus, por terem, segundo o MPF, no período compreendido entre os dias 27 de março a 20 de maio de 2020, fraudado diversos atos do processo de dispensa n.º 115/2020, "tendo, para tanto, inserindo informações ideologicamente falsas em documentos públicos e particulares posteriormente utilizados no aludido processo de dispensa, com o intuito de alterar a verdade sobre fatos juridicamente relevantes, praticando os crimes previstos nos arts. 299, parágrafo único, e 304 do CP e no art. 93, da Lei nº 8.666/93".

Os crimes imputados ao ex-prefeito e a seus assessores e a empresários são os de falsidade ideológica e fraude à licitação. Além desses crimes, que teriam sido praticados durante a pandemia, entre os dias 27 de março a 30 de setembro de 2020, durante a execução da contratação decorrente dessa dispensa, afirma o MPF que Felipe Soares Bittencourt, Jaílson de Barros Correia e Mônica Lisboa da Costa Vasconcelos, teriam desviado, "voluntariamente, R$ 4.272.370,64, em proveito do INSTITUTO HUMANIZE DE ASSISTÊNCIA E RESPONSABILIDADE SOCIAL, contando, para tanto, com os auxílios dos empresários Paulo Luiz Alves Magnus (administrador de fato do Instituto Humanize), Jairo Luiz Flores (diretor do Instituto Humanize) e Ana Carolina Spinelli (diretora do Hospital de Campanha III – Imbiribeira), em razão da inexistência de comprovação de despesas decorrentes do Contrato de Gestão n.º 4801.01.15.2020, praticando todos, dessa forma, o crime previsto no art. 312 c/c o art. 29 do CP."

Confiram as práticas criminosas atribuídas pelo Ministério Público Federal, ao ex-prefeito do Recife, Geraldo Julio:

"Geraldo Júlio de Mello Filho, na qualidade de então prefeito do Município do Recife-PE, consciente e voluntariamente, qualificou o INSTITUTO HUMANIZE indevidamente como organização social de saúde e, por conseguinte, fraudou o processo de dispensa n.º 115/20, a despeito de ciente da incapacidade técnico-operacional da entidade; da fraude constante do estatuto societário do HUMANIZE (administrado de fato por Paulo Magnus); e da inserção pelos demais envolvidos de informações diversas da realidade em documentos públicos e particulares que instruíram os autos da dispensa, além da utilização de documentos ideologicamente falsos.

A qualificação do INSTITUTO HUMANIZE como OSS por Geraldo Júlio ocorreu em violação à Lei Federal n.º 9.637/98, à Lei Municipal n.º 17.875/2013 e ao Decreto Municipal n.º 27.277/2013, porquanto não foi realizado qualquer processo de qualificação ou análise técnica prévia a respeito da atuação da entidade. Ao revés, o ato de qualificação foi assinado por pessoas que sequer possuíam atribuição para conferir a natureza de organização social ao INSTITUTO HUMANIZE, a exemplo dos Secretários de Governo e Participação Social; Planejamento e Gestão; e Administração e Finanças do Município do Recife-PE.

De fato, a assinatura de qualificação do INSTITUTO HUMANIZE como organização social de saúde por parte de tantos atores pretendeu sem qualquer base legal 'diluir responsabilidades', notadamente porque apenas o ex-prefeito Geraldo Júlio de Mello Filho possuía competência legal para qualificar a entidade como organização social, nos termos do art. 5º da Lei Municipal n.º 17.875/2013 e do art. 54, IV, da Lei Orgânica do Município do Recife-PE.

Saliente-se, ademais, que o ajuste informal para a contratação da entidade já havia sido realizado em reunião realizada 'a portas fechadas' no Palácio do Governo do Estado, inclusive com a participação do administrador de fato da entidade beneficiária, Paulo Luiz Alves Magnus.

Além disso, enquanto prefeito, Geraldo Júlio foi responsável pelas orientações atinentes ao processo de dispensa de licitação n.º 115/2020, notadamente pela escolha do INSTITUTO HUMANIZE, consoante corroboraram as conversas realizadas entre Luciana Caúla e Mônica Lisboa, pessoas subordinadas ao denunciado.

Questionado na seara policial, Geraldo Júlio afirmou, genericamente, desconhecer os fatos imputados, não obstante os elementos probatórios contidos nesta exordial acusatória, mas asseverou alguns pontos importantes, como a relação de proximidade junto à Luciana Lima Pinheiro Caúla Reis e o conhecimento de Paulo Luiz Alves Magnus (ids. 24798558 a 24798577 dos autos do IPL n.º 0815781-81.2020.4.05.8300):

'...
Como conheceu Paulo Magnus? RESPOSTA: QUE conheceu PAULO MAGNUS por ser empresário da cidade de Recife/PE; QUE conhece outros muitos empresários; QUE não tem relação familiar nem de amizade com PAULO MAGNUS; QUE conhece PAULO MAGNUS socialmente como tantos outros empresários da cidade.

Qual era sua função na contratação das OSS para gerir os hospitais de campanha na pandemia do COVID? RESPOSTA: QUE como prefeito de Recife/PE não atuava em contratações, não possuindo nenhuma atribuição na gerência dos hospitais de campanha na pandemia de COVID 19;

ADVOGADA GISELLE HOOVER pergunta: Qual foi a condução do senhor prefeito no período de pandemia? RESPOSTA: QUE o papel foi o de procurar entender a situação de emergência como uma pandemia global, por ser uma situação de emergência em diversos países, praticamente todas as prefeituras do país, procurando entender que demandas iriam surgir de atendimento da população nas questões de saúde e em outras áreas, e discutir uma estratégia de atuação para poder ofertar serviços a população e salvar vidas. (...)

Explique como se deu a contratação do INSTITUTO HUMANIZE, quais foram os critérios utilizados? RESPOSTA: QUE não sabe como se deu a contratação da entidade e o que sabe é que a estratégia da Prefeitura de Recife/PE previa a instalação de hospitais de campanha para atendimento a população, inclusive ofertando leitos de UTI, e que esses hospitais foram implantados, funcionaram, fizeram milhares de internações e salvaram milhares de vidas.

Por qual motivo a escolha da entidade (INSTITUTO HUMANIZE) para contratação porparte do Município do Recife-PE se deu em reunião realizada a “portas fechadas” no Palácio do Governo do Estado de Pernambuco entre representantes das OSS's e da gestão municipal? RESPOSTA: QUE não sabe quando se deu a escolha da contratação da entidade e não acredita que tenha ocorrido reuniões a portas fechadas para tomada de decisãoaté porque a transparência sempre foi prioridade da nossa gestão, tendo inclusive o Portal da Transparência do Recife/PE sido escolhido como o melhor do Brasil, tanto pela Controladoria Geral da União, como pela ONG Contas Abertas e também como melhor do Estado de Pernambuco pelo Tribunal de Contas do Estado.

Por qual motivo a reunião se deu no Palácio do Governo do Estado de Pernambuco e não na prefeitura do Recife? RESPOSTA: QUE não tem conhecimento dessa reunião. (...)

Por qual motivo não foram seguidos os trâmites legais? RESPOSTA: a prefeitura cumpria os trâmites legais nas suas contratações, sendo essa sempre uma prioridade da gestão. Quais foram os ajustes que o senhor determinou que fossem feitos nos contratos? RESPOSTA: QUE não determinou nenhum ajuste neste ou em qualquer outro contrato, e observando os prints constados não viu a palavra “ajuste”.

ADVOGADA: o senhor se recorda desse contexto específico? RESPOSTA: QUE nunca tratou sobre procedimento de contratação.

O senhor, na qualidade de prefeito, tinha o hábito de minutar os contratos da prefeitura? RESPOSTA: Nunca.

O contrato celebrado entre a Prefeitura de Recife e o INSTITUTO HUMANIZE foi elaborado com a participação da procuradora do Instituto (Ana Carolina Spinelli) ou com algum de seus sócios? RESPOSTA: QUE não sabe, mas os contratos da prefeitura são feitos pela Administração Pública lato sensu.

Qual a relação do senhor com Ana Carolina Spinelli? RESPOSTA: QUE não conhece.

Conhece Jairo Flores (presidente do INSTITUTO HUMANIZE)? RESPOSTA: QUE não conhece.

O senhor, na qualidade de Prefeito, determinou a assinatura do contrato mesmo sem o termo de referência? RESPOSTA: QUE não determinou a assinatura de nenhum contrato, o que me cabia era acompanhar a oferta de serviços à população, o que aconteceu com o funcionamento dos hospitais de campanha. (...)”

Os argumentos acima de desconhecimento dos fatos não encontram guarida fática plausível, uma vez que os elementos colhidos na investigação demonstraram que era de seu integral conhecimento a reunião agendada para o Palácio do Governo do Estado de Pernambuco com representantes das OSS’s no bojo da qual ocorreu a divisão dos leitos de hospitais de campanha criados para o enfrentamento da pandemia da Covid-19 sem nenhuma transparência ou justificativa técnica plausível.

Além disso, o então prefeito concorreu para a prática dos delitos, seja quando orientou sobre a entrega de expedientes em reunião realizada para tratar das contratações, seja quando determinou ostensivamente aos seus subordinados que os atos administrativos necessários à dispensa fossem realizados em uma única data, qual seja, 30/03/2020.

No caso do gestor ora denunciado, não se pode olvidar que o núcleo de agentes públicos da estrutura da Secretaria de Saúde do Recife-PE que lhe era subordinada foi alvo de pelo menos 06 (seis) operações dos órgãos de persecução criminal federal – Operações APNEIA (data de deflagração em 28/05/2020), ANTÍDOTO e CASA DE PAPEL (16/06/2020), BAL MASQUÉ (23/07/2020), DESUMANO (16/09/2020) e ARTICULATA (15/10/2021) – todas desencadeadas com o fim de investigar a prática de crimes contra a Administração Pública nas esferas das contratações e execuções de recursos federais destinados à pandemia da Covid-19 e executados pelo Município do Recife-PE que, diga-se, no contexto de enfrentamento da pandemia, recebeu o aporte de verbas federais, fundo a fundo (SUS), de R$ 568.037.832,09 (quinhentos e sessenta e oito milhões, trinta e sete mil, oitocentos e trinta e dois reais e nove centavos)1 somente no exercício financeiro de 2020.

Não se olvide que, em decorrência dos robustos elementos obtidos a partir das investigações acima, o MPF já ofereceu denúncia em razão das práticas dos crimes previstos nos arts. 299, parágrafo único e 312, ambos do Código Penal; e 93 da Lei nº 8.666/93 na esfera da Operação Bal Masqué (Ação Penal nº 0809568-59.2020.4.05.8300), bem como ofereceu duas peças acusatórias relacionadas aos delitos dos arts. 312 e 273, §§1º e 1º-B, I e VI, ambos do CP; e 89 da Lei nº 8.666/93 no bojo da denominada Operação Apneia (Ações Penais nº(s) 0810085-30.2021.4.05.8300 e 0811729-08.2021.4.05.8300).

A despeito disso, Geraldo Júlio de Mello Filho, enquanto Prefeito, concorreu com as práticas ilícitas investigadas, inclusive não só mantendo intacta a estrutura da Secretaria de Saúde do Recife até o fim de seu mandato, em 31/12/2020, como também não deflagrando qualquer procedimento administrativo de apuração dos fatos.

Geraldo Júlio de Mello Filho, portanto, ao qualificar o INSTITUTO HUMANIZE ao completo arrepio da legislação vigente, mediante a assinatura de pessoas sem atribuição – notadamente para diluir responsabilidades – e, ainda, a despeito das irregularidades que norteavam a entidade contratada, praticou os delitos tipificados no art. 299, parágrafo único, e art. 304 do Código Penal.

Igualmente, ao fraudar o processo de dispensa de licitação, mediante o direcionamento da contratação do INSTITUTO HUMANIZE, Geraldo Júlio de Mello Filho concorreu para a prática do crime do art. 93 da Lei n.º 8.666/93."

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