Ameaças de morte e uso da Polícia Civil para tentar interferir nas investigações da Polícia Federal motivaram afastamento do Governador de Alagoas, confirmado, ontem por 10 ministros da Corte Especial do STJ

Foto: Reprodução


Diferentemente do que tentaram fazer crer os aliados do governador afastado de Alagoas Paulo Dantas, a decisão de afastá-lo do cargo não teve qualquer motivação política-eleitoral. Isso ficou evidenciado durante a Sessão da Corte Especial do STJ, que confirmou, por 10 votos contra 2, a decisão pelo afastamento.

Dantas é investigado por desvios de mais de R$ 54 milhões da Assembleia Legislativa de Alagoas mediante esquema de "rachadinhas". O governador afastado era deputado estadual e assumiu o cargo em maio de 2022, em uma eleição indireta, após seu antecessor, Renan Filho (MDB), renunciar ao cargo para concorrer à vaga ao Senado, por tal razão, o inquérito tramita no STJ e é conduzido pela Polícia Federal.

De acordo com o relatório da Ministra Laurita Vaz, já como governador, Dantas continuou a comandar o esquema criminoso e milionário de "rachadinhas", chegando a adquirir uma mansão avaliada em mais de R$ 8 milhões, no condomínio mais nobre das cercanias de Maceió, sem comprovação da origem lícita dos recursos utilizados para a aquisição.

A PF apontou "potencial poder de ingerência do atual governador sobre autoridades locais, evidenciado na inadmissível atitude de seu delegado-geral da Polícia Civil de Alagoas, Gustavo Xavier do Nascimento, de interferir em investigação que se sabe estar sob a tutela do Superior Tribunal de Justiça". 

Segundo o SBT News, o caso citado envolve um contato do delegado-geral com a PF para que uma das testemunhas da apuração fosse novamente ouvida. O relatório cita que o caso "vale especial atenção". "Causa perplexidade o atrevimento do delegado geral da Polícia Civil de ligar para o celular de uma delegada de Polícia Federal para forçar uma 'nova oitiva' de um dos operadores do esquema criminoso".

José Everton dos Santos Gomes, dias antes, "havia prestado depoimento à Polícia Federal confessando, com riqueza de detalhes, sua participação, indicando nomes, descrevendo o modus operandi do grupo criminoso, isso depois ser apreendido com a quantia de R$ 32 mil, em espécie, e diversos cartões da Caixa Econômica Federal (CEF) justamente de alguns dos servidores 'fantasmas'".

Na sequência do primeiro depoimento dado, em 5 de agosto, Gomes foi à PF espontaneamente e afirmou "ter sofrido ameaça de morte" feita por dois supostos operadores do esquema "em razão de não ter sido repassado o dinheiro sacado no dia 3 de agosto".

stj

O relatório registra ainda que o delegado-geral da Polícia Civil, "não satisfeito com o insucesso de tentar que José Everton dos Santos Gomes fosse reinquirido pela autoridade Policial Federal, resolveu, ele próprio, fazer a inquirição, ocasião em que o depoente estranhamente desdisse suas declarações anteriores, em notório descompasso, com todo o acervo potencialmente probatório da investigação".

O caso da ameaça e da suposta interferência, segundo a PF, "merecerá oportuna apuração". "Mas deixa claro o potencial poder de ingerência do governador sobre as autoridades locais, o que parece justificar o sentimento de impunidade manifestado por participantes da organização criminosa".

O relato sobre o uso do cargo de governador para interferência de Dantas nas investigações, por meio de seu subordinado, o chefe da Polícia Civil de Alagoas, pode ser conferida a partir de 1:17:00, no vídeo abaixo:


O Esquema

A investigação tem como alvo central Paulo Dantas. O inquérito 1582/DF foi aberto em janeiro de 2022, em Alagoas, na 17ª Vara Criminal de Maceió. Após investigações iniciais, "surgiram indícios de envolvimento do ex-deputado estadual e atual governador Paulo Dantas. O caso então foi enviado ao STJ, em junho.

O esquema teria funcionado de 2019 a 2021 com desvio estimado em R$ 54 milhões. Dantas, sua mulher, Maria Thereza Dantas, prefeita de Batalha (AL), e o cunhado, Theobaldo Cavalcanti Lins, prefeito de Major Izidoro (AL), seriam os principais beneficiários.

A PF reuniu trocas de mensagens entre os investigados, dados da quebra de sigilo telefônico e de e-mails, planilhas sobre saques e transferências, anotações de contabilidade, imagens dos sistemas internos das agências bancárias e lotérica onde foram feitos os saques, fotografias das ações criminosas, comprovantes bancários das movimentações, relatórios de inteligência financeira do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), entre outras provas.

"É importante frisar que os 'servidores fantasmas' autorizam o uso do próprio nome, fornecem os documentos destinados à formalização das nomeações para ocupar cargos de assessores na Assembleia Legislativa e para a abertura de contas na Caixa Econômica Federal, praticando os atos cientes de que não trabalharão efetivamente no Poder Legislativo."

Os 93 três servidores fantasmas do gabinete na Assembleia recebiam mensalmente R$ 15,8 mil. O dinheiro era quase em totalidade sacado em espécie na boca do caixa, por operadores. 

"Relata a Autoridade Policial Federal que, 'diferentemente do clássico padrão das 'rachadinhas' - no qual os servidores recebem os salários e repassam parte ao agente público responsável por sua nomeação - o caso concreto revela, ao que tudo indica, um engenhoso esquema de peculato, por meio da simulação da nomeação de pessoas humildes (e/ou vinculadas aos operadores dos saques) que emprestavam seus nomes para figurar como titulares de cargos em comissão no parlamento estadual mediante ínfima retribuição de R$ 200,00 a R$ 600,00."

Segundo a ordem do STJ, na Operação Edema, "os elementos coligidos no Inquérito 1582 comprovam que Paulo Dantas figura como líder do grupo. Nessa condição, o então Deputado Estadual e atual Governador emitiu as ordens necessárias para a formalização das nomeações, em cargos comissionados na Assembleia Legislativa de Alagoas, de pessoas indicadas pelos demais integrantes da organização criminosa". 

Os "operadores" retiravam os valores em espécie e continuavam a fazer, segundo a PF. Na sequência, integrantes do "núcleo operacional" da organização criminosa cuidavam das operações de quitação das prestações de imóveis comprados em nome de Dantas e de pessoas e empresas próximas a ele, faziam depósitos de "altas somas em dinheiro" para outros parentes e "amigos" e pagavam empréstimos fraudulentos.

Imagens fotográficas dos extratos bancários revelam, segundo a PF, "o padrão utilizado nos saques: os "operadores" faziam retiradas fracionadas,  no valor de R$ 2 mil, até o completo esvaziamento das contas" - técnica usada em lavagem de dinheiro conhecida como smurfing.

A PF levantou provas dos "saques diários executados pelos operadores em agências bancárias distintas e distantes dos locais onde residem". Entre elas: "imagens dos sistemas internos instalados nas agências", "imagens fotográficas feitas por policiais federais", "dezenas de cartões magnéticos da Caixa", "dados extraídos do telefone celular e da conta de e-mail" com "documentos de identificação dos supostos servidores públicos, comprovantes bancários, manuscritos com dados pessoais e senhas, ofícios à CEF, solicitando abertura de contas, e demonstrativos de pagamentos de salários", "contabilidade dos saques", "contratos de compra e venda de imóveis", entre outras.

A Defesa

Em nota divulgada na 3ª, Dantas informou que vai recorrer da decisão de afastamento e classificou de "fake news" e "encenação" as informações das investigações. Segundo ele, o objetivo é dar um "golpe" na sua candidatura ao governo de Alagoas. 

"Revela-se grotesca a 'ação', na verdade, 'encenação' de uma ala da Polícia Federal, que permitiu ser aparelhada para atender interesses político-eleitorais, tentando dar um golpe na minha candidatura à reeleição de governador de Alagoas." Ele afirma que ação favorece seu adversário, na disputa de segundo turno pelo governo do estado. 

Dantas foi eleito governador em maio para um mandato tampão, após a saída de Renan Filho - eleito senador. Disputa o 2º turno das Eleições 2022 em Alagoas. No 1º turno, ele teve 46,64% dos votos válidos contra 26,79% do adversário, Rodrigo Cunha (União).

A PF chegou a pedir a prisão de Dantas, de sua mulher e do cunhado, ambos prefeitos, além do afastamento deles do cargo - o que foi negado pelo STJ.

Com informações do SBT News.


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Estadão: Juiz quebra sigilo bancário de ex-assessor de Humberto Costa por suspeita de fraudes no leite

O INUSITADO CASO DO POLICIAL QUE FURTAVA DROGAS DA DELEGACIA PARA PAGAR PROGRAMAS COM TRAFICANTES

Governo de Pernambuco continuou a pagar por leite adulterado, em 2023, apontam investigações