A deforma da reforma política
Por
Rodolfo Albuquerque*
Não é de hoje que a pauta da reforma política está em
discussão. É uma pauta colocada pelos movimentos sociais, forças políticas e
que entrou na cena principal do debate político em 2013, após as famosas
jornadas de junho, quando a sociedade brasileira foi às ruas pedindo por
mudanças efetivas na postura dos políticos e no sistema político-eleitoral
vigente. O fato é que temos um sistema político arcaico, com práticas
ultrapassadas e que precisam de sérias e urgentes correções, afinal, vivemos
uma realidade na política e na sociedade muito diferente do que era vivido no
período pós-ditadura dos anos 80, quando essas regras foram criadas.
A questão é que hoje, a reforma política caminha para rumos perigosos
e que podem fazer da reforma, uma verdadeira deforma do atual sistema político,
o que pode agravar ainda mais a situação difícil que já vivemos, através da
legalização de instrumentos que levam a corrupção, em detrimento das discussões
que de fato, poderiam mudar a política e a forma de fazer política. O bom
debate degringolou, quando o Presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha
(PMDB/RJ), num ato de golpismo, dissolveu uma comissão especial que foi criada
na Câmara, com a finalidade exclusiva de debater a reforma política e formular
um relatório com a proposta das pautas, que seria apreciado e votado, de acordo
com o que prevê o regimento interno daquela Casa.
A comissão trabalhou por mais de 100 dias, ouviu a sociedade
brasileira, os movimentos sociais e órgãos importantes, como a Ordem dos
Advogados do Brasil (OAB) e a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil
(CNBB), tendo como resultado, um relatório rico, esmerado e que poderia
oferecer ao Brasil, uma verdadeira reforma política, respondendo as demandas da
sociedade. Tudo isso foi ignorado numa única canetada de Eduardo Cunha.
Não contente, o Presidente da Câmara ainda deu como prêmio de
consolação ao Presidente da comissão da reforma política que foi dissolvida,
Deputado Rodrigo Maia (DEM/RJ), o cargo de Relator de Plenário da pauta da
Reforma Política, com a curiosa incumbência de produzir em apenas 12 horas, o
mesmo relatório sobre a reforma política, que demandou mais de 100 dias de
trabalho da comissão que foi ignorada. Como se tudo isso já não fosse
suficientemente absurdo, Cunha ainda apresentou como proposta à “reforma”
política, o modelo conhecido como Distritão, que acabaria com eleições
proporcionais, prevendo que apenas aqueles que tivessem as maiores votações,
seriam eleitos para as vagas no legislativo. E qual seria a consequência disso?
Um poder legislativo ainda mais distante da sociedade e distorcido da atual
realidade vivida no Brasil, excluindo as minorias e valorizando ainda mais o
poder econômico. Graças ao bom senso da maioria dos Deputados, essa proposta
caiu por terra, assim como as propostas do distrital misto, do distrital e do
voto em lista pré-ordenada, que em minha opinião, seria o mais indicado, já que
fortaleceria os partidos e não apenas, o projeto político de cada um.
Mas o grande golpe ainda estaria por vir.
Após o golpe na comissão, o relatório feito nas coxas e a
derrota da proposta do distritão, Cunha pôs em pauta o Projeto de Emenda à
Constituição (PEC), que coloca no texto da Constituição Federal, a permissão à
prática de doação de empresas privadas aos partidos políticos, que não é nada
menos do que, abrir as portas da política para a corrupção em definitivo e de
forma legal. Isso não é apenas um atentado à boa prática da política, é um
escárnio com a sociedade, que assiste nos últimos meses, uma sucessão de
denúncias de corrupção e prisões de políticos, grandes empresários e lobistas,
envolvidos com esquemas bilionários de favorecimento ilícito e propina.
Políticos das mais diversas esferas do poder, que foram financiados em suas
campanhas, pelo dinheiro “doado” por grandes empresas e empreiteiras.
Não é difícil compreender que, não há outra razão para que os
grandes empreendimentos financiem campanhas políticas, a não ser para obter
vantagens sobre os eleitos posteriormente, através da indicação para a
participação em licitações para fornecimentos e obras superfaturadas, que são
mecanismos de desvios de recursos de setores básicos, como saúde, educação e
infra-estrutura, além de muitos outros esquemas espúrios conhecidos ou não pela
sociedade. Afinal, porque outro motivo empresas de faturamento bilionário, com
amplo lastro econômico, ações em bolsa, algumas presentes no mercado
internacional, iriam doar tanto dinheiro para políticos, se não fosse com essa
finalidade? Essa PEC, caso aprovada, faria a legalização da corrupção, com
endosso na Carta Magna do país.
A PEC da Corrupção, como ficou amplamente conhecida, foi
aprovada pela maioria dos Deputados Federais na noite desta quarta (27), mesmo
sobre forte pressão e rejeição da sociedade e de parte considerável dos
parlamentares, majoritariamente do PT e PCdoB, que, diga-se de passagem, foram
os únicos partidos que puxaram desde o inicio, o debate para uma ampla e
verdadeira reforma política. A aprovação desta PEC não é apenas uma temeridade,
mas é um sério risco para o Brasil. A política só mudará de verdade se
acabarmos com essa prática, pois, o financiamento de empresas privadas para
campanhas, não apenas torna as disputas políticas desiguais, fortalecendo ainda
mais a força e influência do poder econômico nas disputas, como torna os
políticos eleitos em lacraios dos interesses econômicos dos seus financiadores,
que nem sempre estão preocupados com a legalidade.
O que me preocupa como cidadão e como militante, é que os
interesses e bandeiras de um congresso conservador, estão se sobre pondo as
reais pautas da sociedade e ao conjunto de interesses da população, pondo em
risco a democracia e a prática política. São atitudes como essas que fazem com
que somente pessoas de grande poder aquisitivo cheguem ao poder, excluindo
mulheres, jovens, negros, os(as) LGTB’s e as minorias, enfraquecendo os
partidos e os projetos coletivos. É isso que faz com que a política caia cada
vez mais em descrédito e aproxime a sociedade de uma crise de representação,
não encontrando naqueles, que deveriam ser os legítimos representantes do povo,
o apoio e atuação que se espera num momento como é o atual, que pede urgentes e
necessárias reformas, pelo bem do Brasil e da boa política.
*Rodolfo Albuquerque é
acadêmico de direito e militante da Juventude do Partido dos Trabalhadores. Foi
1º Tesoureiro e Diretor de Comunicação da União dos Estudantes de Pernambuco –
UEP, entre 2013 e 2015.
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