Crise hídrica? A Sabesp vai muito bem, obrigado!
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Cantareira |
Por Heitor
Scalambrini Costa
Professor
da Universidade Federal de Pernambuco
O que
acontece com o Estado de São Paulo na questão da água é um exemplo do que pode
acontecer em outros estados e cidades brasileiras, segundo dados recentes
publicados pela ANA (Agência Nacional de Águas). Portanto, aprender e tirar
lições deste episódio poderá ajudar gestores públicos e a sociedade a não
repetir os erros que foram cometidos, e conviver melhor com uma situação que
veio para ficar.
A crise
hídrica, como ficou conhecida, não ocorreu por uma única causa, ou por um único
erro cometido, nem tampouco pela falta de chuvas – mesmo considerando que esta
seca é uma das piores dos últimos 84 anos. Na verdade foi um conjunto de
fatores que levou a maior cidade brasileira, sua região metropolitana e várias
cidades importantes do interior do Estado a sofrerem o desabastecimento de água.
A Sabesp
(Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo), empresa que administra
a coleta, o tratamento, a distribuição de água, e também o tratamento dos
esgotos, é uma das maiores empresas de saneamento do mundo, e uma das mais
preparadas do Brasil – com um corpo técnico altamente qualificado, e dispondo
de uma boa infraestrutura. Assim pode-se afirmar sem dúvida que a causa
principal de tamanha incompetência foi a sua administração voltada ao mercado,
voltada ao lucro, que trata a água, um bem essencial à vida, como uma mera
mercadoria.
Em 1994, a
Sabesp se tornou uma empresa de capital misto, com a justificativa de que
vendendo parte de suas ações conseguiria mais recursos financeiros para
investir nos sistemas de abastecimento de água e de saneamento. Depois de 20
anos, o controle acionário se encontra nas mãos do Estado, que detém 50,3% das
ações (metade negociada na BMF/ Bovespa, e a outra metade na Bolsa de NY),
ficando os 49,7% restantes com investidores brasileiros (25,5%) e estrangeiros (24,2%).
A Sabesp é
a empresa outorgada para utilizar e gerir o Sistema Alto Tietê, Guarapiranga e
Cantareira, destinando em tempos normais 33 m³/s para Região Metropolitana de
SP. Com a persistência da falta de chuvas e clima adverso, foi obrigada a reduzir
pela metade a captação (pouco mais de 16 m³/s), apesar de fazê-lo tardiamente.
Assim, o que era considerado um risco remoto tornou-se uma grande incerteza. A
situação chegou a um ponto tal de dramaticidade que foi perdido o controle do
sistema hídrico e, agora, além da captação do volume morto dos reservatórios,
em curto prazo, a população fica na dependência das chuvas.
Em 2012, em
documento elaborado pela própria Sabesp para a Comissão de Valores dos EUA, era
admitido que pudesse ocorrer diminuição das receitas da empresa, devido a
condições climáticas adversas. Assim sendo seria obrigada a captar água de
outras fontes para suprir a demanda de seus usuários. Portanto, se conhecia e
se antevia uma situação que acabou acontecendo. Porém nada foi feito pela
Sabesp para diminuir este risco previsível.
Por outro
lado, a gestão da crise não visou resolver os problemas da população, mas sim
apenas amenizar a responsabilidade da própria Sabesp, blindando o governo do
Estado, cujo mandatário estava em plena campanha eleitoral para sua reeleição.
Em nenhum momento a gestão da Sabesp ou o governo do Estado admitiram a
gravidade da situação. Muito menos a necessidade do racionamento, da diminuição
da vazão, sendo ainda negadas pelas autoridades paulistas as interrupções que
se tornaram cada vez mais constantes no fornecimento da água. Por isso, o que
mais abalou a credibilidade do governo foi a divulgação pela imprensa de uma
gravação onde a presidente da Sabesp admitia que uma “orientação superior”
impediu, durante a campanha eleitoral, que a empresa tornasse pública a real
situação hídrica do Estado.
Todavia,
mesmo com a tragédia anunciada, penalizando a população, a empresa e seus
acionistas vão muito bem. Basta acompanhar os lucros extraordinários nos
relatórios de administração dos últimos anos, que geraram dividendos generosos
para os acionistas da Sabesp, ao passo que o investimento necessário não
acompanhou a mesma intensidade dos lucros obtidos pela empresa.
Esta
situação por que passa a população paulista e paulistana poderá se estender a
outras regiões do país nos próximos anos, caso persistam a má gestão, o
desperdício e a devastação de nossas florestas. É um alerta à questão da
privatização dos nossos bens naturais, em particular da gestão da água, do seu
controle e distribuição. Daí a premente e essencial participação da sociedade
nas políticas públicas para que a gestão das águas alcance resultados
positivos, e não simplesmente siga a lógica da maximização dos lucros.
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